31.5.05

Não resisti

Lendo uma edição da Veja, acho que de três semanas atrás, vi esta reportagem e o meu lado lingüista não resistiu decidi colocar aqui, é sobre o globês muito interessante.

Entendeu, valeu
Oito em cada dez pessoas que se fazem
entender em inglês não usam o idioma
de Shakespeare, mas o globês


Há pessoas que falam inglês muito bem. Outras arranham, por pura necessidade, e aí se encaixa boa parte dos mais de 80% da população mundial que não nasceram nem cresceram em país de língua inglesa. Essas pessoas que julgam que se viram mais ou menos, o suficiente para se fazer entender, na verdade não falam inglês – elas se comunicam em globês, termo inventado e divulgado como a nova língua franca pelo francês Jean-Paul Nerrière. Combinação de global English, ou inglês global, o globês (globish, no original) está mais para patoá do que para idioma: consta de umas 1.500 palavras em inglês (contra 615.000 listadas no Oxford English Dictionary), que, acrescidas de gestos, expressões faciais e um punhado de termos técnicos que variam conforme a profissão do usuário, permitem que um brasileiro converse com um ucraniano em linguagem compreensível a ambos. Não tem nada a ver com esperanto nem com outras tentativas frustradas de idioma universal. Todas as palavras vêm do inglês; o que as caracteriza como globês é a forma como são usadas. "Não é um idioma, é uma ferramenta. Idioma é o veículo de uma cultura. O globês não é nada disso – é só um meio de comunicação", explica Nerrière, que fala inglês fluentemente, mas recorre à fórmula capenga quando percebe que não está se fazendo entender. O único senão da fala que Nerrière quer oficializar é que ela não é entendida por quem tem o inglês como língua-mãe. Um americano, ouvindo dois estrangeiros massacrar sua língua, pensará que falam grego; tampouco o americano, falando normalmente, será compreendido pelos conhecedores do globês.
Ex-vice-presidente da IBM na França e nos Estados Unidos, acostumado a tratar com estrangeiros ("fazia umas 200 viagens por ano"), Nerrière aposentou-se, organizou as impressões sobre o assunto que colhera ao longo da carreira e, no ano passado, escreveu Parlez Globish, um manual sobre como bem usar a tal linguagem universal (cujo nome, aliás, patenteou). Regra número 1: todas as palavras têm de ser muito bem pronunciadas e a frase, repetida pelo menos duas vezes. "O principal não é a elegância, nem a exatidão, nem a qualidade. É a eficiência da fala", ensina. Outras recomendações são usar frases curtas e abolir completamente as expressões idiomáticas e o humor, ambos "difíceis de entender". Também é preciso usar muito as mãos e o corpo todo para se expressar. Palavras como niece (sobrinha) e nephew (sobrinho) não constam do vocabulário globês – podem perfeitamente ser substituídas por children of my brother (filhos do meu irmão). O livro traz uma lista de palavras essenciais e um teste para avaliar se a pessoa fala inglês ou globês: again (outra vez), nothing (nada) e never (nunca) estão entre os vocábulos comuns aos dois; cassock (batina) e spigot (torneira), entre os exclusivos dos que falam inglês de verdade.
Nerrière criou um site, jpn-globish.com, voltado para o ensino de globês. Lá se aprende, por exemplo, que músicas são um meio excelente de treinar a pronúncia. Não é preciso entender a letra – basta aprender como falar as palavras importantes. Para ajudar, traz a letra de dez delas, entre as quais Strangers in the Night, New York, New York e Unforgettable. Outra dica: o melhor cantor para copiar a pronúncia é o músico de jazz Peter Cincotti, de "dicção notavelmente clara" (consta no site a observação de que ele "não pagou nada" pela menção). No fim de maio, Nerrière lançará um novo livro, Découvrez le Globish, contendo as regras de gramática (ou falta delas) da sua "linguagem universal". Seu propósito é espalhar o ensino de globês, pela internet ou em escolas, mundo afora, inclusive nos Estados Unidos – esta a vingança perfeita de franceses inconformados com o predomínio do inglês no planeta. Ironiza ele: "Os americanos enfim terão de aprender uma segunda língua".

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