16.1.08

Doutor Bicho

Além de amigos do homem, os animais se tornaram ótimos terapeutasPor Mônica Vitória • 11/01/2008


Bichoterapia, zooterapia, atividade assistida por animais... são vários os nomes que servem para designar os tratamentos com fins terapêuticos que contam com uma ajuda muito especial e inusitada: a dos bichos. Isso mesmo, eles podem ser incrivelmente eficientes para auxiliar pessoas com problemas psicomotores e outras doenças. A interação com animais dóceis, treinados e saudáveis faz a alegria dos pacientes e estimula a cooperação deles com a terapia, que atinge bons resultados mais rapidamente.


A Terapia Assistida por Animais (TAA), denominação mais comum entre os especialistas, consiste num tratamento alternativo que propõe a interação entre animais, como o cão e o cavalo, e pacientes com disfunções físicas ou mentais diversas. "A TAA é uma modalidade de intervenção terapêutica que já vem sendo estudada desde meados do século XX e tem como princípio a utilização de diferentes espécies de animais como mediadores privilegiados de terapias", define a psicóloga e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Vanessa Breia, que trabalha com cinoterapia (educação assistida por cães) desde 2004 e com equoterapia (cavalos) desde o ano passado, coordenando o Centro de Equoterapia Conquistar.



"Acreditamos, e por diversas vezes confirmamos, que a bichoterapia pode acelerar o desenvolvimento motor e comportamental, visto que, devido ao teor lúdico, os pacientes sentem-se menos pressionados e mais motivados a freqüentá-la"

Vanessa destaca que os animais mais utilizados são, de fato, os cães, por sua reconhecida fidelidade e vinculação com o ser humano, e os cavalos, especialmente pelos benefícios físicos derivados de sua movimentação tridimensional. "Entretanto, diversos outros bichos também são utilizados em atividades semelhantes, como coelhos, gatos, pássaros, lhamas etc", ressalta a psicóloga. A fisioterapeuta Janaina Melo, responsável por um projeto de cinoterapia em Cascavel, no Paraná, chama a atenção para a importância da participação dos animais na rapidez e eficácia na recuperação dos pacientes: "O cão não influencia diretamente na melhora física do paciente, mas ele atua na motivação da execução da terapia, relaxando a criança e diminuindo tendências a isolamento. O cachorro reúne características que o torna apto para interagir com pacientes - sua prontidão em oferecer afeto e contato táctil em todos os momentos e situações, aliada à confiança que desperta. O paciente fica mais receptivo ao afeto dos cães, melhorando sua auto-estima e a consciência de suas limitações e comportamentos", afirma Janaina, completando que essa interação com os cães faz com que as crianças cooperem mais com a fisioterapia.


Patas também curam


Os objetivos da terapia com animais variam de paciente para paciente. Mas, em todos os casos, a principal finalidade é aumentar a motivação na execução da terapia, e obter, através desta motivação, melhorias específicas como o maior controle da motricidade e dos movimentos, diminuição do estresse, fortalecimento do tônus muscular e o aumento da socialização e da auto-estima. "Acreditamos, e por diversas vezes confirmamos, que a bichoterapia pode acelerar o desenvolvimento motor e comportamental, visto que, devido ao teor lúdico, os pacientes sentem-se menos pressionados e mais motivados a freqüentá-la", atesta Janaina. A psicóloga Vanessa Breia reforça que os principais resultados obtidos vão desde os benefícios sócio-emocionais, como a interação social, a redução da insegurança e da ansiedade, aos físicos. "Mas é importante destacar que a TAA não substitui as outras formas de terapia. Ela consiste em uma intervenção complementar", alerta Vanessa.


O público-alvo atingido pelas Terapias Assistidas por Animais é diversificado, mas o tratamento costuma surtir maior efeito entre as crianças e os idosos, que estabelecem um vínculo afetivo instantâneo com os cachorros, por exemplo. Geralmente são tratadas alterações neuromotoras e/ou comportamentais, como autismo, hiperatividade, dificuldades no processo de aprendizagem (em especial nas crianças), hidrocefalia, lesões causadas por traumatismos ou acidentes vasculares cerebrais (AVC) e deficiências físicas. A TAA também auxilia no desenvolvimento de pacientes com Síndrome de Down.


O projeto de Janaina Melo e Rochelle Magalhães, o Cão&Terapia, foi criado há um ano e atende principalmente a crianças e jovens de 0 a 18 anos - a maioria com paralisia cerebral. "As crianças recebem atendimento multidisciplinar (com fisioterapia em solo, aquática, terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicologia), no Centro de Reabilitação da Faculdade Assis Gurcacz (PR) e são encaminhadas à Cão&Terapia pela médica especialista em neurologia pediátrica", explica a fisioterapeuta, que conta com a ajuda de dois veterinários, um adestrador e estudantes de psicologia e fisioterapia, e pretende incluir na equipe, este ano, psicólogos e nutricionistas para uma terapia voltada ao combate da obesidade infantil.

No caso dos idosos, a zooterapia pode ainda ajudá-los a controlar os sintomas do Mal de Alzheimer, como aconteceu no projeto realizado pelo Centro de Atendimento ao Idoso do Hospital da Universidade de Brasília (UnB). O médico geriatra Renato Maia, coordenador do projeto, decidiu aplicar a atividade, tão bem recebida em outras áreas médicas, como um estimulante no tratamento dos pacientes com Alzheimer: "Implementamos este tipo de terapia complementar tomando como inspiração os bons resultados alcançados em atividades similares na pediatria, por exemplo", menciona ele, que cita casos de TAA com crianças com câncer, nos quais o consumo de analgésicos diminuiu devido às visitas de cachorrinhos.


O projeto do Centro de Atendimento ao Idoso foi realizado com dois grupos, de sete a oito pacientes, em dez sessões de 45 minutos cada. Os principais objetivos eram desenvolver as funções motoras e melhorar a memória, que fica seriamente comprometida com a doença. "Com essa experiência, percebemos que a TAA tem uma utilidade muito grande para a reabilitação do paciente idoso. Todos que participavam gostavam da atividade e se sentiam mais alegres e mais dispostos a participar de outras terapias no hospital. Alguns já tinham bichos de estimação em casa, mas os ignoravam, e depois da pet-terapia passaram a interagir com eles também", conta o médico. Renato ainda ressalta a diferença entre um "cão-terapeuta" e um cachorro doméstico ou de rua: "Tivemos todo o cuidado para escolher os cães. Usamos o Golden-retriever, que é uma raça de médio a grande porte, mas muito mansa e amigável. O cachorro não pode intimidar os pacientes, nem ser agitado demais. O treinamento e o controle veterinário também é de suma importância, assim como os cuidados com a higiene e a identificação do cão (uso de coletes)", observa. Antes de iniciar o tratamento com os animais, as famílias dos pacientes são avisadas e concedem autorização.



Há a redução da pressão arterial e freqüência cardíaca, a melhora da depressão, o aumento do tônus muscular, entre outros. Como qualquer outra terapia, ela tem como principal objetivo promover a melhoria da qualidade de vida do praticante, favorecendo o desenvolvimento de sua autonomia, seja ele criança, adulto ou idoso

Segundo Renato Maia, a terapia conta com dois momentos. "Primeiro, conduzimos uma familiarização, em que o idoso se aproxima do animal, afagando-o, tentando guardar seu nome, sua cor etc. Depois, partíamos para as brincadeiras, quando os pacientes podiam jogar bola para o cachorro, e, posteriormente, sem ele, buscavam se lembrar de coisas relativas às atividades e aos cães, através de jogos de perguntas que fazíamos. Eram 45 minutos lúdicos e alegres para todos", explica. "Apesar de estar temporariamente parado, o projeto deve voltar à ativa em breve, quando conseguirmos um veterinário substituto e novos cãezinhos", adianta o médico.


Outra atividade assistida por animais realizada com cães e idosos é o projeto Cão do Idoso, da Organização Brasileira de Interação Homem-Animal Cão Coração (OBIHACC), de São Paulo. A diferença na proposta é que as visitas com cachorros são feitas a asilos e casas de repouso. O programa, que funciona desde 2000, conta com o apoio de quase 100 colaboradores, todos voluntários, e atende cerca de 600 idosos. A intermediação dos animais tem o objetivo de alegrar os velhinhos, que, na sua maioria, são carentes e sofrem de depressão, pois dificilmente recebem visitas de familiares.


Equilíbrio de corpo e mente no galope


A Terapia Assistida por Animais feita com cavalos é chamada equoterapia ou hipoterapia. No Brasil, a Associação Nacional de Equoterapia (ANDE) oficializou a prática em 1989, que foi reconhecida pelo Conselho Nacional de Medicina em 1997. Este tipo de terapia é especialmente eficaz em casos de deficiências físicas e mentais, pois estimula a concentração, desenvolve o equilíbrio e a coordenação motora, promove o alongamento muscular e corrige a postura. A psicóloga Vanessa Breia cita ainda outros efeitos da equoterapia: "Há a redução da pressão arterial e freqüência cardíaca, a melhora da depressão, o aumento do tônus muscular, entre outros. Como qualquer outra terapia, ela tem como principal objetivo promover a melhoria da qualidade de vida do praticante, favorecendo o desenvolvimento de sua autonomia, seja ele criança, adulto ou idoso", diz.


No centro de equoterapia Equovida, no Rio de Janeiro, o trabalho vem desde 2000. Cerca de 30 pessoas de várias idades passam, diariamente, pelo atendimento, que conta com a participação e supervisão de uma equipe multiprofissional composta por um fisioterapeuta, um psicólogo, uma fonoaudióloga e um profissional de equitação para orientar os cavalos. "A maioria é de crianças na faixa dos seis, sete anos, mas atendemos pacientes de três até os 50 anos de idade. Geralmente são pessoas com lesões neurológicas, síndromes, paralisia cerebral, autismo ou problemas ortopédicos", afirma o psicólogo Amauri Solon, um dos diretores do Equovida. Ele explica que a equitação terapêutica é uma TAA diferenciada, pois alcança resultados que vão além da interação com os bichos: "A base, claro, é a relação afetiva entre o ser humano e o animal. Mas na equoterapia você usa o cavalo de fato - você monta nele e os movimentos do animal atuam diretamente nos seus. E o movimento é tridimensional, pois sua cintura se move em todas as direções, o que obriga o corpo a alterar a postura", esclarece Amauri, que ressalta também a função fonoaudiológica da atividade: "Por mexer com a postura, a atividade facilita e reeduca a respiração, corrigindo a posição da língua e melhorando a fala e a deglutição". A participação de usuários de muletas e cadeiras de rodas é constante: "Há pessoas que você não imagina que poderia ver montadas num cavalo", conclui o psicólogo.

Serviço:

Centro de Atendimento ao Idoso da UnB: (61) 3448 5269
Cao terapia
Vanessa Breia: (21) 2718-8730 / (21) 8859-3626
Equoterapia Conquistar
Associação Nacional de Equoterapia (ANDE)
Equovida

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